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Fake news sobre vacinas buscam gerar medo, dĂșvidas e lucro

Em meio à pandemia de covid-19, a Organização Mundial da Saúde (OMS) alertou que o mundo entrou em uma outra emergência de saúde pública: a infodemia.

Por PH em 17/09/2023 às 10:53:54
Divulgação

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Em meio à pandemia de covid-19, a Organização Mundial da SaĂșde (OMS) alertou que o mundo entrou em uma outra emergĂȘncia de saĂșde pĂșblica: a infodemia. Com o excesso de informações publicadas por todo tipo de fonte na internet, essa crise torna difĂ­cil encontrar fontes idôneas e orientações confiĂĄveis quando se precisa. A OMS ressaltou, na época, que esse fenômeno é amplificado pelas redes sociais e se alastra mais rapidamente, como um vĂ­rus, afetando profundamente todos os aspectos da vida.

Nesse caldeirão de conteĂșdo, grande parte do que circula é dito sem respaldo em evidĂȘncias cientĂ­ficas e com interesses comerciais e polĂ­ticos, alerta a diretora da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm) Isabela Ballalai. Desde a pandemia de covid-19, o foco dos grupos que disseminam desinformação em saĂșde tem sido as vacinas, o que impacta os esforços para elevar as coberturas do Programa Nacional de Imunizações

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(PNI), que completa 50 anos nesta segunda-feira (18).

Isabela Ballalai diz que os médicos tĂȘm obrigação de fazer recomendações com base em evidĂȘncias cientĂ­ficas

- SBIm

"Logo depois de anunciar a pandemia de covid-19, a OMS anunciou a infodemia. Ainda vivemos isso e vai ser difĂ­cil sair dela", lamenta a médica.

"Por trĂĄs disso, existe uma estrutura, é um negócio que gera dinheiro para quem faz. Discordar faz parte, e a ciĂȘncia precisa de concordâncias e discordâncias. É assim que ela evolui. Mas a ciĂȘncia precisa se prender a evidĂȘncias cientĂ­ficas. O médico tem a obrigação de dar sua recomendação baseada em evidĂȘncias."

Quando essa campanha de desinformação é combinada a uma baixa percepção de risco das doenças prevenidas pelas vacinas, a diretora da SBIm explica que a hesitação vacinal ganha força, mesmo entre profissionais de saĂșde. Médicos e enfermeiros, assim como toda a população, estão sujeitos ao bombardeio de informação na internet, e muitas das doenças prevenidas pelos imunizantes se tornaram raras ou controladas justamente pelo sucesso da vacinação.

"A maioria que ouve essas informações fica na dĂșvida. E, na dĂșvida, prefere não arriscar na recomendação. E o médico muitas vezes estĂĄ ouvindo de um colega que ele conhece, porque muitas vezes os médicos chamados [para espalhar desinformação] são médicos conhecidos, ou até um médico que foi professor dele. Então, ele acredita."

Linguagem apelativa

A desinformação sobre vacinas muitas vezes é alarmante, descreve a diretora da SBIm, e traz um tom exaltado tanto no conteĂșdo quanto na forma de apresentĂĄ-lo, com letras garrafais e coloridas, por exemplo. Esses conteĂșdos também se aproveitam de vĂ­deos e fotos de adultos e crianças para inventarem histórias sobre situações que não aconteceram ou não estão relacionadas à vacinação.

Vacinação de crianças contra covid-19

- Fabio Rodrigues-Pozzebom/ AgĂȘncia Brasil

"Toda vez que receber um post nas mĂ­dias de um médico renomado, de uma universidade conhecida, que fala coisas como vacina mata, estão escondendo da gente, coisas sempre muito alarmantes, desconfie. Nós, médicos, não falamos assim, não fazemos terrorismo", descreve ela, que ressalta que, às vezes, é difĂ­cil para o pĂșblico contestar as informações, que são apresentadas de maneira confusa, assustadora e até acompanhadas de supostas evidĂȘncias. "Infelizmente, para vocĂȘ validar ou não uma comunicação dessa, vocĂȘ pode ter trabalho. Pode ter um artigo cientĂ­fico que conclui uma coisa completamente diferente de tudo que a ciĂȘncia estĂĄ dizendo, e vocĂȘ entra nele e estĂĄ em uma revista. Mas que revista é essa?"

Ameaça à democracia

A circulação dessas informações jĂĄ havia sido detectada pela própria Sociedade Brasileira de Imunizações, em pesquisa divulgada em 2019. Dez afirmações falsas recorrentes sobre vacinas foram apresentadas a mais de 2 mil entrevistados nas cinco regiões do Brasil, e mais de dois terços (67%) deles disseram que ao menos uma das informações era verdadeira. O cenĂĄrio se agravou muito com a pandemia de covid-19

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e o uso das redes sociais contra diversas instituições democrĂĄticas, como a Justiça, o sistema eleitoral, a imprensa e o próprio PNI.

Nesse contexto, autoridades como o então presidente

Jair Bolsonaro defenderam tratamentos ineficazes contra a covid-19, como o que chamou de kit covid, e atacaram medidas preventivas, como o distanciamento social, além de promover desconfiança em relação às vacinas contra a doença.

Esses ataques começaram ainda no desenvolvimento das vacinas, como quando o então presidente compartilhou nas redes que a suspensão dos testes da CoronaVac era "mais uma que Jair Bolsonaro ganhava", após a morte de um dos voluntĂĄrios. Posteriormente, ficou comprovado que o óbito não teve relação com o imunizante. "Morte, invalidez, anomalia. Esta é a vacina que o [ex-governador de São Paulo João] Doria queria obrigar a todos os paulistanos tomĂĄ-la. O presidente disse que a vacina jamais poderia ser obrigatória. Mais uma que Jair Bolsonaro ganha", escreveu em resposta a um seguidor, em novembro de 2020.

Doses da vacina CoronaVac contra covid-19

- Marcelo Camargo/AgĂȘncia Brasil

O coordenador do PNI, Eder Gatti, conta que o combate à desinformação em saĂșde tem sido o primeiro passo de uma ação sistemĂĄtica do governo federal para combater esse problema em todas as ĂĄreas. Gatti afirma que o ataque à confiança nas vacinas acontece de forma sistemĂĄtica e organizada e acaba levando as pessoas a terem medo de se vacinar ou desconfiarem das vacinas.

"Esse é um mal recente e relativamente pequeno no Brasil, começou agora com a pandemia, mas jĂĄ causa efeitos sérios nas coberturas vacinais no Brasil e é algo para a gente se preocupar", alerta.

"A desinformação é algo que ameaça a nossa democracia, é mais ampla que a saĂșde, e a ação de combate à desinformação estĂĄ na saĂșde de forma piloto, inclusive para agir no ataque à desinformação de forma sistemĂĄtica. Temos um programa estruturado que tem sido testado no sentido de identificar ações que disseminem informação e também de forma a conter o efeito".

Mercado perverso

Presidente do Instituto Questão de CiĂȘncia, a microbiologista e escritora Natalia Pasternak recomenda que o pĂșblico tenha muito cuidado com postagens, vĂ­deos e notĂ­cias que busquem causar medo ou ansiedade, porque essa é uma estratégia usada com frequĂȘncia na desinformação.

"A informação falsa é feita para emocionar, para deixar a pessoa com raiva, com medo, com vontade de compartilhar e mostrar para todo mundo. Quando vocĂȘ ver uma notĂ­cia dessas, com esse sensacionalismo, que foi construĂ­da para gerar medo e aterrorizar, desconfie. Esse tipo de notĂ­cia tem grandes chances de ser uma propaganda, uma notĂ­cia fabricada para enganar, e existe um mercado perverso que movimenta essas notĂ­cias e quer deixar as pessoas com medo, para vender produtos e serviços", denuncia. "Tem gente vendendo reversão vacinal, produtos que detoxificam das vacinas e produtos associados, como livros, newsletter e estilo de vida para não precisar se vacinar. É um mercado que vende desinformação para empurrar remédios, produtos e serviços desnecessĂĄrios e até perigosos. São pessoas que jĂĄ estão acostumadas a operar esse mercado perverso de desinformação em saĂșde e que mudaram o foco depois da pandemia, porque o foco estava nas vacinas."

Vacinas contra a covid-19 se tornaram alvo de grupos que disseminam fake news - Marcelo Camargo/AgĂȘncia Brasil

Além disso, ela alerta que é preciso desconfiar de informações suspeitas sobre saĂșde mesmo que elas venham de pessoas próximas que demonstrem ter boas intenções e preocupação em alertar sobre elas.

"Desconfie e acolha. Em vez de apontar para aquele amigo ou familiar e dizer que é um antivacinista, pergunte onde ouviu, quem falou e por que acha isso. Pergunte se checou e se ofereça checar juntos. É preciso lembrar que essas pessoas são vĂ­timas dessa mĂĄquina de desinformação. Não são essas pessoas que estão lucrando, elas estão sendo enganadas. É preciso ouvi-las com cuidado e tentar orientar da melhor maneira possĂ­vel."

Interesses polĂ­ticos

A ação coordenada dos antivacinistas para prejudicar o Movimento Nacional pela Vacinação lançado em fevereiro pelo Ministério da SaĂșde foi mapeada pelo Laboratório de Estudos de Internet e MĂ­dias Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro (NetLab/UFRJ). Somente no antigo Twitter, o NetLab conseguiu identificar um grupo de 36 mil perfis que retuitaram mais de 100 mil publicações com conteĂșdo antivacina após o lançamento. Tal articulação acabou sendo mais intensa que a dos 41 mil perfis que fizeram 79 mil retuĂ­tes a favor da vacinação.

O NetLab explicou à AgĂȘncia Brasil na época, que, em diversos momentos, a pauta polĂ­tica do paĂ­s é um gatilho para campanhas de desinformação, e o movimento pela vacinação foi um episódio emblemĂĄtico. Isso ficou claro quando o presidente Luiz InĂĄcio Lula da Silva se vacinou na campanha, e a extrema direita ativou uma articulação muito intensa em que vĂĄrias narrativas são acionadas em diferentes plataformas, tentando trazer dĂșvidas sobre o quão seguras as vacinas são.

Carlos Eduardo Barros diz que a desinformação sobre vacinas tem relação com interesses econômicos e polĂ­ticos

- Aquivo pessoal

Coordenador de projetos e pesquisador assistente no NetLab UFRJ, Carlos Eduardo Barros contextualiza que a desinformação sobre vacinas nos Ășltimos anos estĂĄ intimamente relacionada a interesses econômicos e polĂ­ticos. O pesquisador explica que, quando se fala em desinformação, não se trata de erros que todos estão sujeitos a cometer ao se comunicar, mas de uma estrutura de propaganda que realmente opera com o objetivo de causar engano e confusão, oferecendo uma alternativa que é lucrativa para seus financiadores.

"Por isso, quando tivemos o auge da covid-19 no Brasil, por exemplo, antes de aumentar o nĂșmero de pessoas contaminadas, aumentaram os lucros de venda dos supostos tratamentos precoces prometendo curas milagrosas que 'a mĂ­dia estaria escondendo'", afirma ele, que resgata outro caso emblemĂĄtico: "A primeira onda de boatos sobre vacinas causarem efeitos absurdos começou em 1998, quando um cientista publicou uma pesquisa associando a trĂ­plice viral com o autismo. Logo descobriam que os dados eram falsos, e ele tinha sido pago por uma empresa farmacĂȘutica que se beneficiou com a queda de vendas daquela vacina. Mas a que custo? Estudos sobre esse caso destacam que o papel da mĂ­dia na época, dando espaço para o falso cientista mesmo depois da fraude comprovada, acabou espalhando a ideia de "perigo" das vacinas, e até hoje influencia grupos antivax."

Diante de uma mĂĄquina profissional de produzir e espalhar mentiras, até mesmo profissionais de saĂșde podem ser enganados, ressalta o pesquisador, principalmente quando o tema da desinformação não é sua especialidade profissional. Ele aponta que estudos no campo da desinformação sobre ciĂȘncia mostram que pessoas com alto nĂ­vel de especialização são igualmente suscetĂ­veis a acreditar em uma informação falsa sobre outra ĂĄrea que elas desconhecem, e podem ser ainda mais difĂ­ceis de aceitar que foram enganadas.

"Além disso, dificilmente um profissional que não seja pesquisador terĂĄ tempo para se atualizar na mesma velocidade das descobertas cientĂ­ficas –

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e a ciĂȘncia também não é um corpo imóvel de conhecimento, ela muda o tempo todo conforme aprendemos novas coisas", afirma. "Essa é a importância das instituições como o Ministério da SaĂșde e a OMS. E por isso também é perigoso quando uma figura de autoridade, seja cientista, jornalista ou polĂ­tico famoso, difunde uma ideia mentirosa. Porque a partir dessa pessoa é provĂĄvel que muitos, até bem intencionados, sejam influenciados e até reproduzam discursos similares."

Fonte: AgĂȘncia Brasil

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