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RJ: 74% de escolas municipais vivenciaram tiroteio no entorno em 2019

A pesquisa "Tiros no Futuro: impactos da guerra às drogas na rede municipal de educação do Rio de Janeiro" mostrou que 74% das escolas da cidade vivenciaram...

Por PH em 07/02/2022 às 10:46:21
Foto : Divulgação

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A pesquisa "Tiros no Futuro: impactos da guerra às drogas na rede municipal de educação do Rio de Janeiro" mostrou que 74% das escolas da cidade vivenciaram pelo menos um tiroteio em seu entorno em 2019. Dados indicam que, entre elas, cinco unidades concentram 20 ou mais operações policiais no perĂ­odo. O perfil dos alunos, em grande parte (77%), é de negros nas escolas mais expostas à violĂȘncia.

A pesquisa inédita foi lançada hoje (7) pelo Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC), fundado em 2000 na Universidade Cândido Mendes. O centro desenvolve estudos e outros projetos nas ĂĄreas de segurança pĂșblica, justiça e polĂ­tica de drogas. Seu compromisso é a promoção dos direitos humanos e a luta contra o racismo no sistema de Justiça Criminal.

O estudo avaliou a relação entre confrontos da polĂ­cia com grupos que controlam venda de drogas em ĂĄreas pobres da cidade, principalmente nas comunidades, e o impacto dessa polĂ­tica na renda futura do estudante. Também analisou os efeitos da guerra às drogas nos resultados escolares dos alunos do 5Âș ano do ensino fundamental da rede pĂșblica da capital.

Perdas

Os pesquisadores concluĂ­ram que estudantes de unidades instaladas em ĂĄreas violentas, que registraram seis ou mais operações policiais, tĂȘm redução média de 7,2 pontos no desempenho em lĂ­ngua portuguesa e 9,2 em matemĂĄtica. "Considerando o ganho médio anual de proficiĂȘncia, a exposição à violĂȘncia resulta em perda de 64% do aprendizado esperado em lĂ­ngua portuguesa e em matemĂĄtica", informa o estudo.

Na comparação das médias de reprovação e de abandono das unidades de ensino, a conclusão é que a exposição frequente a tiroteios, com a presença de agentes de segurança, pode gerar aumento de 2,09% na taxa de reprovação e de 46,4% na probabilidade de pelo menos um aluno abandonar a escola.

Efeito financeiro

O déficit de aprendizagem no 5Âș ano provocou perda financeira na vida produtiva dos estudantes, segundo a pesquisa, de até R$ 24.698,00, valor correspondente a 48 cestas bĂĄsicas ou 377 botijões de gĂĄs ou 13 anos de passagens de ônibus, duas vezes por dia.

"Esse jovem, ao concorrer a uma vaga no Sistema de Seleção Unificada (Sisu), jĂĄ estĂĄ em desvantagem em relação a outros alunos também do ensino pĂșblico, pelo fato de ter a aprendizagem comprometida pela guerra às drogas desde a infância. Essa diferença se perpetua na vida produtiva do cidadão, reduzindo a oportunidade de geração de renda. Estamos falando da manutenção da desigualdade e estagnação de mobilidade social como reflexos diretos da ação do Estado", comentou a socióloga e coordenadora do CESeC, Julita Lemgruber.

Projeto

Tiros no Futuro é a segunda etapa do projeto Drogas: quanto custa proibir, elaborado com a intenção de acrescentar ao debate pĂșblico reflexão sobre os impactos econômicos e orçamentĂĄrios da legislação proibicionista nas ĂĄreas especĂ­ficas de segurança e justiça, de educação, saĂșde e do território. A primeira fase foi marcada pelo lançamento, em março de 2021, do relatório Um Tiro no Pé: impactos da proibição das drogas no orçamento do sistema de Justiça Criminal do Rio de Janeiro e São Paulo. O trabalho teve custo de R$ 5,2 bilhões para manter a polĂ­tica proibicionista em um ano nos dois estados.

ConvĂȘnio

A pesquisa foi realizada a partir de convĂȘnio com a Secretaria Municipal de Educação (SME) do Rio de Janeiro. Foram avaliados dados das 1.577 unidades de ensino da rede pĂșblica carioca, alcançando 641.534 alunos matriculados em 2019. O ano é referĂȘncia para os levantamentos apontados por anteceder a pandemia de covid-19, que alterou a dinâmica escolar. O fato de focar os estudos nos dados da capital fluminense é decorrente do cenĂĄrio Ășnico no paĂ­s pela frequĂȘncia de operações policiais, tiroteios e disparos de armas de fogo no cotidiano de certos territórios, até nos próximos às escolas.

Rotina

A anĂĄlise foi baseada em informações obtidas com a SME sobre operações policiais que interferiram na rotina das escolas, como a suspensão das aulas ou o fechamento da unidade. Também foram avaliados dados da plataforma Fogo Cruzado, que registra ocorrĂȘncias de tiroteios na região metropolitana do Rio. Com a combinação, segundo os pesquisadores, foi possĂ­vel georreferenciar e comparar 32 escolas com pelo menos seis operações policiais em 2019 e 37 que não tiveram essas ocorrĂȘncias naquele ano.

"Foi considerada a similaridade entre os dois grupos em: indicador de complexidade da gestão; perfil socioeconômico das famĂ­lias; proporção de pais com alta escolaridade; proporção de alunos não brancos e proporção de educandos do sexo masculino. A Ășnica diferença entre os grupos foi a exposição a eventos violentos, como as operações policiais", revelou o CESeC.

Para os pesquisadores, a pesquisa Tiros no Futuro demonstra que o efeito da guerra às drogas na educação é apenas uma das faces dessa polĂ­tica, que expõe determinado setor da população, de maioria negra e pobre, a um cenĂĄrio bélico cujos "Ășnicos resultados tĂȘm sido desperdĂ­cio de dinheiro pĂșblico, que poderia ser investido em polĂ­ticas de promoção à vida".

Segundo Julita Lemgruber, a consequĂȘncia da guerra às drogas na vida de uma pessoa é incalculĂĄvel. Ela afirmou que o propósito do projeto é mostrar que, além do custo orçamentĂĄrio para o Estado, hĂĄ o efeito na vida do cidadão. "O quanto sua capacidade futura de geração de renda e sua mobilidade social podem ser comprometidas como consequĂȘncia dessa opção polĂ­tica racista e classista operada pelo Estado. Esse prejuĂ­zo afeta o futuro do indivĂ­duo e a sociedade como um todo. E todos perdemos nessa guerra", afirmou.

Pandemia

A diretora do Centro de ExcelĂȘncia e Inovação em PolĂ­ticas Educacionais, da Escola Brasileira de Administração PĂșblica e de Empresas da Fundação Getulio Vargas, professora Claudia Costin, lembrou que além dos tiroteios, esses alunos sofreram impactos no aprendizado causados pela pandemia de covid-19. "É terrĂ­vel não só para a aprendizagem mas para o bem-estar pessoal desses alunos e a possibilidade de um desenvolvimento harmônico e equilibrado de crianças e jovens, por isso a escola tem papel tão importante, principalmente nas crianças expostas a violĂȘncia grande, inclusive com o fechamento de escolas", disse.

A professora destacou que essas crianças que moram e estudam em ĂĄreas de conflito não tĂȘm as mesmas condições para acompanhar as aulas no sistema remoto que um aluno da classe média. "Para quem mora em comunidade não é só a questão da violĂȘncia, a casa é inapropriada para o processo de aprender a distância. Essas crianças acabam ficando nas ruas, expostas ao vĂ­rus e ainda à violĂȘncia". Ela lembrou ainda que durante a pandemia aumentou também o recrutamento de crianças e jovens por traficantes e milicianos.

Claudia Costin, que foi ministra da Administração Federal e Reforma do Estado entre 1985 e 1989 e secretĂĄria municipal de Educação do Rio no perĂ­odo de 2009 a 2014, defendeu a adoção de polĂ­ticas pĂșblicas nas regiões conflagradas. "É fundamental que, neste momento, as polĂ­ticas pĂșblicas estaduais e municipais olhem com ações afirmativas para essas ĂĄreas. Toda a melhoria de escolas em tempo integral deveria olhar primeiro para essas comunidades".

PolĂ­cia Militar

Em nota à AgĂȘncia Brasil, a Secretaria de Estado de PolĂ­cia Militar disse que a corporação tem missão central e permanente de defesa da sociedade do Rio. Garantiu que as ações policiais seguem protocolos rĂ­gidos de atuação e preceitos técnicos de treinamento e orientação.

"Um dos objetivos exponenciais da PolĂ­cia Militar é a preservação de vidas, sejam elas as da população em geral ou as dos policiais envolvidos nas ações. Ressaltamos ainda que a opção pelo confronto é sempre uma decisão dos criminosos que, munidos de armamento de guerra e conduta extremamente inconsequente, atentam contra a vida dos policiais e não levam em conta o extremo perigo que proporcionam às populações locais", afirmou.

PolĂ­cia Civil

Também em resposta à AgĂȘncia Brasil, a Secretaria de Estado de PolĂ­cia Civil do Rio informou que todas as operações da atual gestão são baseadas nos pilares de inteligĂȘncia, investigação e ação. "TĂȘm alcançado redução constante nos Ă­ndices de violĂȘncia registrados pelo Instituto de Segurança PĂșblica, com resultados, em alguns setores, que são os melhores desde o inĂ­cio da série histórica".

SME

A Secretaria Municipal de Educação informou que trata como prioridade a segurança de alunos e dos profissionais e que, em agosto do ano passado, foi renovado o acordo com o ComitĂȘ Internacional da Cruz Vermelha para incorporar o programa Acesso Mais Seguro às escolas. "O programa tem como objetivos mitigar riscos, orientar professores e alunos; planejar ações em conjunto nas unidades escolares e nos territórios; prevenir a evasão escolar, entre outras ações". Acrescentou que "o reforço escolar existe para todas as escolas da rede, com maior ĂȘnfase para as que ficam em regiões conflagradas".

Fonte: AgĂȘncia Brasil

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