Peixão – ou melhor, Alvinho – foi criado pela mãe, umbandista, que recebia santo (o Erê) vestida de branco, comia pipoca e doces de criança na esquina da Avenida Brasil.
Hoje adota e prega um discurso de "povo escolhido". Mandou colocar a Estrela de Davi no topo da Cidade Alta e desenhou as bandeiras de Israel por toda parte. Seu bando passou a ser chamado de Tropa do Aarão.
Peixão mandou tirar a imagem da santa ao lado de campo de futebol na favela Cinco Bocas — Foto: Reprodução
A influência evangélica fez também com que as favelas fossem desenhadas com passagens bíblicas. Na esteira disso, veio a intolerância religiosa. Terreiros foram proibidos e imagens de santa retiradas (veja na imagem acima).
No alto da Cidade Alta, na Zona Norte do Rio, os criminosos colocaram uma estrela de Davi — Foto: Reprodução
Foi num bar da família, na beirada da favela, que ele cresceu. De pequeno, pegou o hábito curioso que mantém: o de sempre colocar azeitona em tudo que come.
Perdeu dois irmãos para o crime – ambos acabaram mortos. A irmã também se envolveu. E outro irmão, Aldo, que ainda está vivo, perdeu uma perna – contra ele, há mandado de prisão.
Na infância, dizia que não queria ser bandido. Mas se envolveu cedo. A escola pública, em Irajá, ele abandonou ainda na sétima série.
Passou a andar com os meninos do fundo da favela que já faziam favores aos traficantes. Um deles cometeu suicídio recentemente, após anos de depressão e já afastado do tráfico.
Assistencialismo e sucessão no tráfico
Brinquedos para as crianças: assistencialismo é uma das marcas de Peixão no Complexo de Israel — Foto: Reprodução
Essa transição na adolescência aconteceu no tempo em que Parada de Lucas era comandada por José Roberto da Silva Filho, o Robertinho de Lucas. Ícone do "assistencialismo bandido", deixou uma marca não só na favela que controlou, mas na própria facção Terceiro Comando Puro (TCP).
Robertinho evitava confrontos com a polícia a todo custo. Pagava propinas para não ser incomodado e fazia benfeitorias sempre tentando angariar a simpatia de moradores. Fez escola assim.
No início dos anos 2000, passou o comando de Lucas para Cauã da Conceição Pereira, o Furica ou Falcão. Robertinho acabou assassinado em 2005, num crime jamais esclarecido.
Furica, então, colocou em prática o plano de expansão dos poderes de sua quadrilha. No fim daquele mesmo ano, segundo denúncia de moradores, o traficante alugou um caveirão da PM, sequestrou e matou oito jovens na vizinha Vigário Geral. Os corpos jamais apareceram – outra marca registrada do tráfico da região.
Furica chegou a ser preso no início de 2006, mas logo foi solto. E já tinha como um de seus seguranças um menino franzino que usava radiotransmissor na cintura e uma bolsa atravessada. E foi Furica que deu início a essa relação de Peixão com pastores que perdura até hoje.
Em uma operação, a Polícia Civil matou Furica, em agosto de 2008. Em seu lugar, ficou José Carlos Lopes, o Chopp, morto em um golpe interno em 2010. A favela, então, ficou sob o controle de Ronaldo atocha Dias da Silfa, o Tião.
De acordo com investigadores, as traições internas – resultando em outras mortes de lideranças do crime na região, como Branco, Targino – fizeram com que Peixão se afastasse da favela.
Foi morar com a mãe em Maricá, chegou a trabalhar por um período - até ser capturado por policiais corruptos, segundo apurou o g1. Pagou pela liberdade e, mais tarde, voltou para a favela ao lado de Tião, que logo saiu.
Peixão não tem registro oficial de prisão nos arquivos da polícia. Sua primeira anotação criminal foi em 2015, num relatório que já o tratava como novo chefão de Parada de Lucas.
Hoje são 50 registros em sua folha, com 20 mandados de prisão por crimes como tráfico, homicídio, tortura, assaltos e ocultação de cadáver.
Ponte que liga duas comunidades do Complexo de Israel foi erguida pelo tráfico — Foto: Reprodução/Globo
As acusações de pagamento por proteção são muitas. Peixão reza da cartilha de Robertinho de Lucas e Furica nessa relação promíscua com maus policiais. E a própria invasão da Cidade Alta, em 2016, contou com certa conivência dos homens da lei.
Usando um drone para mapear o território inimigo, ele se preparou durante meses para o ataque. Tomou o controle do conjunto habitacional em outubro daquele ano. Em maio de 2017, o Comando Vermelho mandou mais de 100 homens para uma tentativa de retomada.
A PM impediu. Prendeu mais de 45 criminosos, apreendeu 33 fuzis e garantiu a Peixão a manutenção do território. Oito PMs chegaram a ser presos na época, mas o processo ainda se arrasta na Justiça.
Em agosto de 2017, Peixão, por pouco, não foi preso na Rodovia Presidente Dutra, quando voltava de uma viagem. No mês anterior, ele tinha viajado com a mulher, dois filhos e dois pastores para o Sul do país.
Usando o nome de Antônio Neto, ele se apresentava como empresário de jogador de futebol. Com essa identidade falsa embarcou para Florianópolis, onde fez sua primeira parada. Lá, ele e um dos pastores foram a uma concessionária de carros e compraram um Nissan Kicks zero quilômetro. E seguiram viagem.
Em viagem ao Sul, Peixão usou o nome de Antonio Neto e se dizia empresário de jogadores de futebol — Foto: Reprodução
A investigação da Delegacia de Roubos e Furtos de Automóveis (DRFA) foi seguindo o rastro do bandido. Chegaram a uma pousada dias depois de ele ter deixado o local.
"Eles passaram pelo Rio Grande do Sul e chegaram a ir até o Uruguai", conta um investigador.
Foi na volta desse passeio que os policiais chegaram perto de sua captura. Os agentes estavam em uma outra operação, no Jacarezinho, quando receberam a informação de que Peixão estava voltando do Sul. Correram para a Rodovia Presidente Dutra, prepararam uma blitz, mas Peixão conseguiu trocar de carro.
Parou num posto de gasolina, na altura de Vilar dos Teles, e entregou o Kicks para um homem de sua confiança. Quando os policiais pararam o carro, o traficante não estava dentro. O veículo estava sendo dirigindo por um policial militar. Peixão tinha entrado num outro veículo, um Linea, e escapou do cerco.
Um levantamento do RJ2 com moradores e policiais apontou que pelo menos 25 pessoas desapareceram nos últimos oito anos, em bairros e favelas da região do Complexo de Israel.
Alguns dos desaparecidos são pessoas inocentes, trabalhadoras, que disseram "não" para os traficantes (veja quem são as vítimas).
Policiais civis afirmam que o medo atrapalha as investigações. Muitas famílias não registram os casos. Algumas investigações levam anos pra terminar, outras nem começam.